Allan Kardec e a Doutrina Espírita

Certa vez, o Cristo, depois de prever sua crucificação, fez a seguinte promessa aos apóstolos: “Se me amais, guardai os meus mandamentos e eu rogarei ao Pai e Ele vos enviará outro Consolador, para que fique eternamente convosco: o Espírito de Verdade, a quem o mundo não pode receber porque não o vê nem o conhece”. Mas vós o conhecereis, porque ficará convosco e estará em vós. E o Consolador que o Pai, enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”.

Essa promessa do Mestre iria agora ser cumprida. Na camada mais elevada da Espiritualidade já se encontrava uma gloriosa falange de Espíritos, dela fazendo parte Joana D’Arc, Sócrates, Platão, João ( o Evangelista), Paulo de Tarso, Cáritas, Vicente de Paulo. E o Espírito de Verdade que iria presidir a reunião, ao adentrar no ambiente resplandecia como o sol!

É o Espírito de Verdade!

Sim, é ele! Ouçamos sua mensagem.

E disse o Espírito de Verdade: “Meus irmãos. Aproxima-se o momento sublime de ser levado à Terra o Consolador prometido pelo Cristo. O Consolador, deveis saber é a Doutrina de Jesus. Minha missão, com a colaboração de todos vós, será a de restabelecer as verdades do Cristianismo, deturpadas pelo clero e acrescentar tudo aquilo que Jesus não pôde dizer devido ao atraso intelectual da humanidade. Para abrir o caminho e facilitar nossa missão, Espíritos com alto nível evolutivo já reencarnaram  ou estão reencarnando: Pestalozzi, Édison, Spencer, Darwin, Pasteur, Renan, Comte… Todas áreas do conhecimento receberão novo impulso no século XIX, inclusive a música com Wagner, Verdi, Gounod, Rossini, Belioz. Haverá na Terra uma revolução de idéias novas. Então, desceremos para implantar a Doutrina completa de Jesus.

No entanto, meus irmãos, para atingirmos o objetivo… – O que é preciso fazer, alguém perguntou. – Que um de vós reencarne já. – Com qual missão? – A de receber a Doutrina que transmitiremos através de médiuns escolhidos. E mais, divulgá-la em livros que hão de espalhar-se como sementes por todo o globo terrestre. Mas eu vos aviso, essa missão será muitas vezes, coroada de espinhos…

-Permiti, Senhor, que eu faça o sacrifício!

-Pois tendes o meu assentimento. Já fostes um apóstolo e sereis, agora, o meu na Terra. Reencarnareis, e mais tarde, quando soar a hora havemos de nos reencontrar. – Vinde comigo, Jesus nos aguarda…

E, na França, na cidade de Lion, no dia 03 de outubro de 1804, nasce Denizard Hippolyte León Rivail. Assim aparece seu nome na certidão de nascimento. Filho de juiz, de magistrado, seu pai, Jean Baptiste Antonie Rivail e sua mãe Jeanne Duhamel.

Assistido pela falange do Espírito de Verdade, assim que Denizard completou seis anos de idade, (era filho único) seus pais o matricularam na escola primária mais próxima. Os cursos elementar e médio, duravam quatro anos. Ao concluí-los, em fins de 1814, tinha 10 anos de idade. (Alguns de seus parentes haviam se dedicado à advocacia e a magistratura, como seu próprio pai, mas Denizard já mostrava interesse pelo estudo das ciências e da Filosofia.)

Henri Pestalozzi fazia parte da falange do Espírito de Verdade. Ele reencarnara em 1776 na Suíça e com apenas 21 anos de idade divulgava pela imprensa uma série de artigos sobre a depravação geral dos costumes e o despotismo da nobreza sobre as classes mais humildes…  Mas, sua grande preocupação era a “educação”, principalmente a das crianças mais pobres, e abandonadas pelos governos aristocratas… E tem seu apostolado, recolhendo crianças órfãs, crianças mendigas, cobertas de trapos, sarnas, enfim, faz esse trabalho por duas vezes em cidades diferentes, uma história de verdadeiro amor, um sublime educador…(quem sabe um dia falaremos sobre ele).

O instituto de Pestalozzi funcionou em diversas cidades e instalou-se em Yverdun somente em 1805, tendo as portas abertas para as crianças pobres e ricas. Quando o menino Denizard atravessou os grandes jardins do castelo de Loheringen, a fim de ser matriculado como pensionista, Pestalozzi já tinha 58 anos de idade. O mestre admirou-se da facilidade com que o novo aluno assimilava os conhecimentos. E Denizard ao completar 14 anos de idade foi incumbido de dar aulas aos seus colegas menos adiantados. Alguns anos depois, merecendo de Pestalozzi absoluta confiança, passou a substituí-lo na direção do instituto quando o velho mestre saía pela Europa a criar, a pedido dos governos, escolas semelhantes à de Yverdun…

Bacharel em ciências e letras, sabendo falar e escrever o alemão, o inglês, o espanhol, o italiano, e o holandês, Denizard Hippolyte León Rivail, no portão do castelo, despediu-se de Pestalozzi como quem se despede de um pai. Adeus, meu mestre! – Adeus, meu filho! Prometo enviar notícias, pois é meu desejo criar na França um instituto igual ao seu.

Regressou a França em 1824, com 20 anos, e conseguiu em Lion a isenção do serviço militar…

Morando em Paris, num período da história onde Napoleão Bonaparte desencarnara voltando a instalar-se na França a monarquia, com Luiz XVIII, Escreve então seu primeiro livro –Um curso de aritmética para as crianças- continua trabalhando pela infância e juventude e edita seu segundo livro: “Plano de uma Escola Graduada.” Seu grande ideal, porém, era montar um instituto semelhante ao de Yverdun, e na falta de capital, busca um sócio, seu tio, irmão de sua mãe, o qual concordou com a idéia.

E foi instalado o “Instituto Técnico Rivail”, no elegante distrito de Luxemburgo.  No ano seguinte 1827, Pestalozzi desencarnara…

Denizard tinha agora três ocupações: lecionava, dirigia o instituto e escrevia livros. Em 1828, não tendo ainda 25 anos completos, publicou um “Plano para a melhoria da Educação Pública”, no qual propôs a criação de uma “Escola Teórica e Prática de Pedagogia”, inexistente em França. E remeteu o plano aos membros do Parlamento.

Corria o ano de 1831 e o professor deu à publicidade, quase que simultaneamente, três novos trabalhos, que firmaram seu nome na área da Pedagogia.

Neste mesmo ano foi que o professor Denizard conheceu aquela que seria sua companheira, Amèlie Gabrielle Boudet, dez anos mais velha que Denizard. A vida econômica de Denizard sofreu um abalo. Seu tio e sócio tornara-se  um jogador inveterado. O Instituto a beira da falência, entrou em liquidação, cabendo a cada sócio 45.000 francos. Essa quantia Denizard e Amèlie confiaram  a um amigo negociante que não demorou muito para perderem tudo ficando sem nenhum centavo. Diriam que a Espiritualidade experimentava a fibra de ambos…

Denizard amparado pela esposa, também escritora, entregaram-se tenazmente ao trabalho. Passou de dia a cuidar da contabilidade de três firmas e à noite a escrever livros pedagógicos. Fez traduções de livros e assim sua vida profissional foi equilibrando-se, com ajuda de amigos professores do Liceu Pedagógico e em seguida, sua carreira foi coroada: a Universidade de França adotara seus livros. E o professor Denizard reconhecido publicamente, como educador emérito, começou a ministrar em sua própria residência cursos gratuitos de química, física, astronomia, etc.

A atmosfera política na França nessa época era de escândalos administrativos com revoluções da classe operária, socialista, proclamando a Segunda República Francesa. Mas o país não ficou em paz. Os revolucionários socialistas querendo o poder, incitaram o povo e foram esmagados nas ruas de Paris… Luiz Napoleão, sobrinho de Napoleão Bonaparte, torna-se o novo presidente e dá um golpe de estado dissolvendo a Assembléia, proclamando-se Imperador com o nome de Napoleão III. Sua ascensão foi providencial pelo fato de que acreditava na comunicação dos Espíritos..

Aproxima-se agora, o momento de o professor desempenhar sua missão espiritual. Estamos em 1854. O professor Denizard tem 50 anos de idade, é membro de diversas instituições culturais, destacando-se a Sociedade das Ciências Naturais de França. Sua cultura é enciclopédica, pois, possuindo uma natural curiosidade científica, lera, sem ser médico, Tratados de Fisiologia e Anatomia e inclusive interessara-se pelo Magnetismo, a partir dos 19 anos de idade. (Essa curiosidade científica é que servira de alavanca para os Espíritos do Senhor levarem  o professor ao exame dos fenômenos da mediunidade).

As sessões com as “mesas girantes” popularizaram-se nos Estados Unidos devido às célebres irmãs Fox. Seis anos depois, em 1854, se tornariam um divertimento de salão em toda a Europa. Quem primeiro falou da “mesa girante” ao professor Denizard foi Fortier, um magnetizador.

“Já sabe da singular propriedade que se acaba de descobrir no Magnetismo”? Parece que já não são somente as pessoas que se podem magnetizar, mas, também, as mesas, conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade.

“Mas isso não me parece impossível. O fluido magnético que é uma espécie de eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer com que eles se movam”.

Semanas depois Fortier tornou a encontrar o professor e disse: “Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fala. Interrogada ela responde através de batidas”. Por duas vezes ele resistiu como um homem cético. Em janeiro de 1855 seu amigo Carlotti disse a ele que as mesas eram movidas pelos Espíritos. Como usou de muito entusiasmo o professor acautelou-se. Em maio desse mesmo ano a falange do Espírito de Verdade apertou o cerco. O Sr. Fortier levou o professor Denizard até a casa da Sra. Roger, e la encontraram o Sr. Pàtier e a Sra. Plainemaison, que também lhe disseram que os fenômenos com as mesas eram produzidos pelos espíritos. Denizard sabia que o Sr. Pàtier era possuidor de grande cultura e aceitou participar das experiências que se faziam na residência da Sra. Plainemaison…

(Na semana seguinte o professor foi com sua esposa Amèlie; era um prédio muito elegante e Amèlie participa a Denizard das suas dificuldades emocionais para observar os fatos. Ao regressarem para casa o professor já não duvidava do fenômeno, mas, não admitia ainda, fosse produzido pelos espíritos. Voltou inúmeras vezes à residência da Sra. Plainemaison, e este cerco da Espiritualidade era cada vez maior, não deixando mais suas pesquisas. Conheceu lá também o Sr. Baudin, que o convidou a assistir às sessões semanais efetuadas em sua casa. As médiuns eram as irmãs Baudin, Caroline 16 anos e Julie com 14 anos.)

O professor começou a freqüentar as reuniões da família Baudin em agosto de 1855. A escrita com a cesta era feita com a participação das duas meninas a um só tempo e as respostas, com muita rapidez, eram dirigidas no idioma em que a pergunta havia sido formulada. E mais, os espíritos respondiam, inclusive, às perguntas mentais. E cada um deles apresentava uma caligrafia. O professor já não tinha mais dúvidas; era uma inteligência estranha que produzia os fenômenos.

Com o método científico empregado pelo professor Denizard as sessões tomaram novo rumo. Não mais se faziam perguntas fúteis aos espíritos. O professor levava para as sessões uma série de perguntas relacionadas à filosofia, à psicologia e à natureza do mundo espiritual e obtinha sempre respostas com precisão, profundeza e lógica. Mais tarde ele receberia de médiuns espalhados por todo o mundo mensagens com igual conteúdo, provando, assim, os espíritos, a autenticidade de seus ensinos.

O Espírito de Verdade não havia ainda se revelado. Mas, no ano seguinte, às nove horas da noite de 24 de março de 1856, estando o professor a escrever sobre os espíritos e suas manifestações, ouviu, de súbito, pancadas estranhas… Ele morava no segundo andar de um pequeno prédio, levantou-se e examinou ambos os lados da parede, e nada descobriu, mas, toda vez que tornava a escrever os ruídos recomeçavam. As dez horas Amèlie regressou à casa e admirada disse: – Que batidas são essas? – Não sei. Faz uma hora que começaram… As batidas só pararam quando o professor foi dormir. No dia seguinte, na sessão com as meninas Baudin, perguntou:

“Meu espírito familiar, quem quer que tu sejas, agradeço-te por teres vindo visitar-me. Consentirás em dizer-me quem és”?

“Para ti, chamarei Verdade e, todos os meses aqui, durante um quarto de hora, estarei a tua disposição”.

“Ontem, quando bateste, estando eu a trabalhar , tinhas alguma coisa de particular a dizer-me?”

“O que eu tinha a dizer-te era sobre o trabalho a que te aplicavas; desagradava-me o que escrevias e quis fazer com que o abandonasses.”

“A tua desaprovação era referente ao capítulo que eu escrevia ou ao  conjunto do trabalho?”

“Ao capítulo de ontem, submeto-o ao teu juízo; se o releres, reconhecerás tuas faltas e as corrigirás.”

“Eu mesmo não me sentia satisfeito com esse capítulo e o refiz hoje.  Está melhor?”

“Está melhor, mas ainda não satisfaz. Relê da terceira a trigésima linha e com um grave erro depararás.”

De regresso à casa o professor examinou o capítulo e espantou-se com um grave erro na trigésima linha. Mas ficou satisfeito: tinha agora a certeza de que todos os seus escritos eram analisados, frase por frase, pela Espiritualidade Superior.

Por essa época já participava das sessões com Srta. Japhet, médium sonâmbula e notável psicógrafa. As comunicações eram transmitidas através da então chamada “cesta de bico”. Foi numa dessas sessões que pela primeira vez ouviu dizer de sua missão, embora de maneira vaga: “Deixará de haver religiões, mas uma se fará necessária, verdadeira, grande, bela e digna do Criador… Seus primeiros alicerces já foram colocados… Quanto a ti, Rivail, a tua missão é aí!”

E a cesta, agora sem contato, bruscamente voltou-se para seu lado, como o teria feito uma pessoa que o apontasse com o dedo, o que deixou o professor e os assistentes emocionados. Na semana seguinte, em sete de maio de 1856 a missão foi confirmada pelo Espírito Hahnemann.

A confirmação definitiva da missão somente poderia ser dada pelo ilustre Espírito de Verdade. E, no dia, 12 de junho de 1856, tendo por médium a Srta. Aline Carlotti, o grande Espírito transmitiu ao professor a seguinte mensagem psicografada: “Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres sair-te bem.” E acrescentou: “a missão dos reformadores é cheia de escolhos e perigos. Previno-te de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo inteiro. Não suponhas que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares  tranquilamente em casa. Tens que expor a tua pessoa. Suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda; hás de te ver a braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais dedicados; as tuas melhores instruções serão desprezadas e falseadas; por mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga; numa palavra: terá de sustentar uma luta quase contínua, com o sacrifício do repouso, da tua tranquilidade, da tua saúde e até da tua vida, pois, sem isso, viverias muito mais tempo.”

Diante do professor o futuro estava escrito com letras de fogo. E o Espírito de Verdade ouviu de seus lábios a resposta que já sabia de antemão:

“Espírito de Verdade, agradeço os teus sábios conselhos. Aceito tudo, sem restrição e sem idéia preconcebida.”

As palavras do Espírito de Verdade eram proféticas; mais tarde o missionário experimentaria todas as vicissitudes previstas! ( queima dos livros espíritas em Barcelona )

Em fins de 1856 os originais de “O Livro dos Espíritos” ficaram concluídos; faltava apenas, a revisão, que foi feita, inclusive, pelos espíritos, os quais se serviram de diversos médiuns; primeiro, de Caroline e Julie Baudin, que paralisaram o trabalho por se haverem casado e deixado Paris; depois, da Srta. Japhet. Pronta a obra, restava agora, colocar na capa o nome do responsável. E o professor Denizard ao invés de seu nome assinou “Allan Kardec” nome que tivera em outra existência, nas Gálias, entre os druidas. E, no dia 18 de abril de 1857, foi lançado “O Livro dos Espíritos”, cumprindo-se assim, a promessa de Jesus de enviar o Consolador. Esse livro, revelando e esclarecendo, racionalmente o mundo dos espíritos e as leis morais que nos regem – ao mesmo tempo em que oferece esperanças e consolações, inaugurou em nosso planeta a “Era do Espírito.” Nele se encontram todos os princípios da verdadeira Doutrina do Cristo.

Mas a missão não estava concluída. O próprio Espírito de Verdade havia dito a Kardec que o trabalho assumiria proporções que ele então, estava longe de perceber. E, meses depois, foi lançada em 1º de janeiro de 1858 a “Revista Espírita”, que se tornou o complemento indispensável das obras da Codificação. E, ainda em 1858, Kardec fundou em 1º de abril a “Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas”, que orientaria o movimento espírita não apenas da França e que teve entre seus médiuns a notável menina Ermance Dufaux; com 14 anos de idade, apenas, havia ela psicografado “História de Joana D’Arc”, “História de Luiz XI” e “Vida de Carlos VIII.”

O trabalho era extenuante, mas o missionário não esmorecia. Publica a segunda edição de O Livro dos Espíritos com 1019 perguntas, a que temos hoje e definitivo; em setembro de 1860, faz sua primeira viagem doutrinária. Destino: Lion, sua cidade natal. De regresso a Paris recorda-se da casa onde nascera e que não pudera rever; havia sido derrubada em 1840 devido a inundação do rio Rhone.

Assinala o ano seguinte, 1861, três fatos históricos. Em 15 de janeiro, Kardec lança “O Livro dos Médiuns”, que trata do aspecto científico do Espiritismo, colocando ao alcance da humanidade os meios de comunicação com os espíritos. Em setembro, o Mestre visita com Amèlie Boudet vinte cidades, presidindo a cinqüenta reuniões em sete semanas.

O terceiro fato teria logo grande repercussão. Kardec remetera ao escritor e livreiro francês Maurice Lachâtre, residente então, em Barcelona, trezentos livros espíritas. O bispo, porém, fez confiscar a encomenda e não a devolveu a Paris. E querendo restaurar a Inquisição na Espanha, ordenou fossem queimados os trezentos livros no local público onde os condenados eram executados. Allan Kardec, pela Revista Espírita, que já tinha assinantes em quase todo o mundo, proclamou: “Espíritas de todos os países! Não esqueçais a data de 9 de outubro de 1861. Será marcada nos anais do Espiritismo; que ela seja para vós um dia de festa e não de luto, porque é o penhor de vosso próximo triunfo”.

Três anos depois do auto de fé de Barcelona, as obras de Kardec foram condenadas pelo Santo Ofício por decreto de 20 de abril de 1864.

E em abril de 1864 é oferecido à humanidade “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, que com seu lema “fora da caridade não há salvação” deixa evidente que a moral pregada pela Doutrina Espírita é a do Cristo. Nesse livro luminoso Allan Kardec transcreve, no capítulo “O Cristo Consolador” uma sublime mensagem trazida pelo Espírito de Verdade e cujo conteúdo é do próprio Cristo:

“Venho, como outrora, entre os filhos desgarrados de Israel, trazer a verdade e dissipar as trevas. Escutai-me. O Espiritismo, como outrora a minha palavra, deve lembrar aos incrédulos que acima deles reina a verdade imutável: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinar as plantas e que levanta as ondas. Eu revelei a Doutrina Divina, e, como um ceifador liguei em feixes o bem esparso pela humanidade, e disse: ‘Vinde a mim, todos vós, que sofreis!’ Mas os homens ingratos se desviaram da estrada larga e reta que conduz ao Reino de meu Pai, perdendo-se nas ásperas veredas da impiedade. Meu Pai não quer aniquilar a raça humana. Ele quer que, ajudando-vos uns aos outros, mortos e vivos, ou seja, mortos segundo a carne, porque a morte não existe, sejais socorridos, e que, não mais a voz dos profetas e dos apóstolos, mas a voz dos que se foram, faça-se ouvir para vos gritar: Crede e orai. Porque a morte é a ressurreição, e a vida é a prova escolhida, durante a qual vossas virtudes cultivadas devem crescer e desenvolver-se como o cedro.”

“Homens fracos, que vos limitais às trevas de vossa inteligência, não afasteis a tocha que a clemência divina vos coloca nas mãos, para iluminar vossa rota e vos reconduzir, crianças perdidas, ao regaço de meu Pai.”

“Estou demasiadamente tocado de compaixão pelas vossas misérias, por vossa imensa fraqueza, para não estender a mão em socorro aos infelizes extraviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro. Crede, amai, meditai sobre todas as coisas que vos são reveladas; não mistureis o joio ao trigo, as utopias com as verdades.”

“Espíritas: amai-vos, eis o primeiro mandamento; instruí-vos, eis o segundo. Todas as verdades se encontram no Cristianismo; os erros que nele se enraizaram são de origem humana; e eis que, de além túmulo, que acreditáveis vazio, vozes vos clamam: Irmãos! Nada perece, Jesus Cristo é o vencedor do mal; sede vós os vencedores da impiedade!”
Um ano depois de lançado o Evangelho, eis que no dia 17 de setembro de 1865 é fundado no Brasil, na cidade de Salvador, o primeiro centro espírita: o “Grupo Familiar do Espiritismo”. O quarto livro da Codificação, “O Céu e o Inferno” foi lançado em 1º de agosto de 1865. Baseado em comunicações mediúnicas recebidas no mundo inteiro e com idêntico teor, ele põe por terra o dogma das penas eternas.

Allan Kardec continua firme em seu trabalho apostolar. Faz viagens doutrinárias, dirige a Sociedade de Estudos Espíritas e a Revista Espírita, responde a centenas de cartas que lhe chegam, inclusive, do outro lado do globo, escreve livros e com artigos magistrais refuta os principais opositores da Doutrina. Os espíritos recomendam-lhe repouso, mas ele continua a levantar-se às 4,30 da madrugada, mesmo no inverno, pois já tinha sido avisado que não ficaria por muito tempo na Terra.

E em janeiro de 1868 publica o quinto e último livro da Codificação: “A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo”. E sentindo próximo o desenlace redige um projeto para a constituição do Espiritismo. Estava concluída sua missão, ou seja, restabelecer na Terra o Cristianismo em espírito e verdade.

E na manhã do dia 31 de março de 1869, entre onze e doze horas, em sua casa, de súbito, o Codificador desencarna em consequência da ruptura de um aneurisma. Tinha 65 anos incompletos.

O corpo de Allan Kardec foi enterrado no cemitério de Montmartre e depois transladado para o Père-Lachaise, mas seu Espírito havia sido levado pela gloriosa Falange do Espírito de Verdade às mais resplendentes regiões para rever Jesus. O Mestre se foi, mas ficaram suas obras de valor eterno que constituem o maior patrimônio da humanidade!.